Dom Odilo comenta tema da primeira semana da 3ª Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos

Há uma grande expectativa em relação à 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre a família, que está acontecendo no Vaticano, de 5 a 19 de outubro. Muitos esperam que dessa assembléia saiam soluções para os vários tipos de problemas que hoje envolvem o casamento e a família. Será que, depois do Sínodo, casamento e família ainda serão os mesmos que foram até agora? O que, por exemplo, deveria mudar? Que o casamento deixe de ser entre duas pessoas de sexos diversos? Que o homem possa ir com todas as mulheres que queira, sem ter compromisso com nenhuma delas, nem responsabilidade pessoal e social sobre os atos praticados com elas? Que também a mulher faça a mesma coisa? Deveríamos resignar-nos e concordar com aqueles que dizem que a família acabou e faz parte de um tempo que já se foi? Quem olha para as crianças, os idosos, as pessoas com deficiência? O Estado ou a sociedade deveria assumir inteiramente o papel da família? As relações de parentesco deveriam ser ignoradas? O sonho dos jovens enamorados, que querem ter família, seria apenas ilusão romântica? Deveria a Igreja mudar seu pensamento em relação à família?

O exagero das perguntas é proposital, para ajudar a ver que há coisas essenciais em relação à família, que não poderiam mudar sem comprometer seriamente a própria existência da comunidade humana. As questões relacionadas à família e do casamento são, ao mesmo tempo, simples e complexas, pois dizem respeito aos elementos básicos da existência humana, como a afetividade e o amor, o respeito delicado de pessoa a pessoa, a complementariedade, a vida gerada, acolhida e doada, o senso de pertença, de aconchego e de intimidade, a confidência, a aceitação da pessoa como ela é, a gratuidade e o amor desapegado, o projeto de vida realizado juntos, a confiança, a alegria simples, a esperança… São todas coisas boas, e quem não as gostaria de ter? Será que isso deveria mudar no casamento e na família? Se tiver que mudar, que seja para melhor ainda! Ninguém pensará em acabar com isso. Tenho a certeza de que os jovens que se enamoram de verdade e querem casar, também pensam assim. E a Igreja quer continuar a contribuir para que isso aconteça na vida dos casais e das famílias.

Em que consiste o mal-estar, tão frequente, em relação ao casamento e à família, a ponto de muitos preferirem viver como “singles”? Tem-se, por vezes, a impressão de que a família é terra de ninguém, onde qualquer um pode entrar, pegar, arrancar, devastar, levar embora… Ou como um campo devastado, cheio de destroços e com muitos feridos! Pobre família, tão maltratada e desprestigiada… Ao mesmo tempo, tão cobrada para assistir os órfãos de afeto, de referência e proteção, os abandonados pela sociedade dos fortes e eficientes, as vítimas do desmantelamento da própria família, esse primeiro bem, que Deus pensou para as pessoas!

O Papa Francisco, ao abrir o Sínodo, no dia 5 de outubro, tomou a parábola do Evangelho sobre os “vinhateiros homicidas” (cf Mt 21, 33-43), para dizer que a família é um bem precioso, que Deus confiou a todos os “administradores” e responsáveis da sociedade: dela devemos tomar conta, com muito carinho, não deixando que seja devastada por invasores e assaltantes mal intencionados… Que a ajudemos a florescer e frutificar, para o benefício da pessoa, da sociedade política e também da comunidade de fé.

Será que é a família que tem que mudar ou são nossas atitudes em relação à família que precisam mudar? A verdade é que a família vem sendo desconfigurada há muito tempo; atualmente, parece que se chegou num momento crucial, estando em crise a própria identidade da família. Quando se coloca em xeque a diferenciação e a identidade sexual; quando se pretende que casamento também poderia ser entre pessoas do mesmo sexo; quando custa pensar que os filhos também são parte da família; quando o projeto da vida a dois parece ter perdido o interesse; quando a relação afetiva é deixada apenas à precariedade dos sentimentos e oportunidades fugazes: o que ainda sobrou da família?

É o caso de se recomeçar pelo mais essencial no casamento e na família: o amor sincero e generoso, a confiança nos sentimentos bons, a fidelidade aos propósitos assumidos, a firmeza na edificação do projeto comum, a alegria partilhada, a disciplina da virtude, a fé em Deus… Para o futuro da família, é bem isso que vai continuar, pois está na própria base da família. E que Deus continue a abençoar essa obra do seu amor!

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo

 

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